Dandara e a plenitude da identidade negra

Dandara merece reconhecimento não apenas por ser um jogo excelente, mas também por valorizar o traço mais marcante de sua protagonista: o fenótipo negro.
De maneira simplista, fenótipos são características físicas perceptíveis de determinado biotipo, como por exemplo os olhos puxados dos asiáticos, os lábios finos dos europeus e os rostos largos dos ameríndios.
Eventualmente o entretenimento traz personagens de pele negra, mas quase sempre com fenótipos europeus, na intenção de adequar esse visual a olhos que foram educados pelo eurocentrismo. É uma situação dentro do racismo estrutural e que pode ser percebida em filmes, novelas e etc.
O exemplo clássico é a Tempestade (X-Men), africana de pele escura, olhos azuis e cabelo liso (!?!).

Mesmo com a desculpa de que ela descende de pai nascido nos EUA, a estética se repete em muitos casos, ou seja, com ela só foram cuidadosos sobre ter uma justificativa.
Outro exemplo: Elena (Street Fighter III), nascida no Quênia (mesmo país da Tempestade). Veja que não cabe mais a justificativa do pai estadunidense.

Além de olhos azuis e cabelo branco, o desenho de seu nariz e rosto entrega a adaptação eurocêntrica.
Este é um bom momento para olharmos como realmente se parecem as mulheres nascidas no Quênia:
Sabemos que não há nada de errado com esse fenótipo, mas o entretenimento coloca todo o seu aparato em favor da supressão dessa identidade, daí que durante muito tempo tínhamos atrizes negras aparecendo sempre com cabelos alisados, ou raramente alguém de black power armado na TV.
Quem já estudou em escola de periferia sabe o quanto as meninas negras usavam cremes e outros cosméticos pra disfarçar o cabelo, fora alisamentos e etc.

Assim, como resultado dessa prática racista, temos pessoas que não se aceitam ou não se sentem representadas nessas obras.
Para nossa felicidade, não existem conceções racistas em Dandara, que se apresenta com a plenitude da identidade negra: seu cabelo armado é como uma coroa que ornamenta um conjunto composto por lábios proeminentes, nariz largo e pele retinta.
Quando comparamos diretamente com a personalidade histórica que a inspirou -- Dandara dos Palmares, que foi também casada com Zumbi --, o respeito a essa identidade fica ainda mais evidente.
Nada no design da personagem soa como um estereótipo e a grandeza desse enfrentamento serve bem aos temas propostos no jogo, todos relacionados de maneira explícita com a opressão feita por aqueles que detém a direção política de uma sociedade em risco.
E numa realidade tão racista quanto a nossa, manter a força dessa identidade é uma arma nas discussões sobre privilégios e fragilidades sociais.

Rico em subjetividades, Dandara é um jogo tão excelente em forma e função, que pode ser interpretado também como uma carta política.
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